Arte com o Capim Dourado

 

ARTE POPULAR TOCANTINENSE: A UTILIZAÇÃO DO CAPIM DOURADO NO POVOADO DE MUMBUCA

 

 

Wolney Jácomo de SOUSA[1].

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

A comunidade Mumbuca localizada na região designada como Jalapão, situada a aproximadamente 260 km de distância da capital do Estado do Tocantins, Palmas, vem despertando a curiosidade de pesquisadores dos diversos campos da ciência, tais como: a antropologia, a geografia, as letras, o jornalismo, o turismo e outros.

Dentre as manifestações artísticas e culturais observadas no povoado, destaca-se, em especial, o trabalho manual com o capim dourado, matéria prima nativa da própria região. Segundo relato da artesã Santinha (2009), as peças de artes, a princípio, eram fabricadas apenas para o consumo utilitarista dos membros da comunidade.

Ao longo do tempo, os produtos começaram a chamar a atenção dos moradores das cidades circunvizinhas, momento em que o artesanato passou a ser comercializado com o objetivo de auxiliar para com o aumento da renda familiar e, analogamente, para a melhoria da qualidade de vida do povo mumbuquense.

Somente após o ano de 2.000, é que a produção das peças artesanais passou a ser feita em maior escala, a partir do aprimoramento das técnicas de fabricação, conforme a fala de Adelsinei (2009), artesão entrevistado.

Desde então, de acordo com alguns artesãos, a arte com o capim dourado começou a ser difundida nos outros municípios tocantinenses, ganhando, assim, maiores espaços. Atualmente, as peças produzidas no povoado abastecem tanto o consumo interno, como também, o mercado externo. Segundo a ADETUR-TO (s/d, p.17):

As artesãs trabalham a matéria-prima que dá vida a chapéus, caixas, bolsas, fruteiras e finas bijuterias. As técnicas são passadas de geração a geração [...] brincos, pulseiras e outros adornos parecem ser feitos de ouro, tamanho o brilho e a intensidade da cor que emana das fibras do capim.

Portanto, o objetivo deste trabalho surgiu da tentativa de mostrar como a arte popular vem sendo desenvolvida no povoado de Mumbuca, identificando, ainda, alguns aspectos pertinentes, especialmente, à arte com o capim dourado. Além disso, a pesquisa propõe verificar se ocorre um distanciamento ou uma aproximação dos movimentos vanguardistas da arte.

Para alcançar tais objetivos, os pesquisadores utilizaram as teorias voltadas para o estudo da arte como um todo e da arte popular, o que caracteriza uma pesquisa do tipo bibliográfica. Além disso, como instrumento de coleta de dados, foi realizada uma pesquisa de campo baseada na observação não-participativa e na entrevista semi-estruturada, cujo universo de amostragem foram cinco homens membros do vilarejo de Mumbuca, com faixa etária que varia entre vinte e dois a quarenta e seis anos de idade.

 

 

1.0  Arte Popular Tocantinense: a utilização do Capim Dourado.

 

 

A definição de arte é um tanto complexa, muitos são os conceitos atribuídos à arte. De acordo com Howell (s/d apud REINAUX, 1991, p. 21), “a arte é o desejo do homem de expressar-se, de registrar as reações de sua personalidade ao mundo em que vive”. Segundo Reinaux (1991), o conceito de arte associa-se à denominação de beleza, do belo, por outro lado, o autor afirma que historicamente a arte também está ligada aos artigos de utilidade e de conhecimento.

Historicamente arte significa aquilo que é feito pelo homem; o que é bem feito pelo homem; o ofício; o conhecimento com o qual o homem faz algo; o aprendizado adquirido; a instrução; o conhecimento; a ocupação; o mister e mais o emprego; a profissão; o gênio; o talento, o produto ou resultado final de uma produção, as Musas, as regras e os preconceitos, ou até mesmo a parte teórica de uma arte. Assim, tudo é arte. (REINAUX, 1991, p. 22)

Já a arte popular, segundo Mascelani (2009), caracteriza-se pela:

 "produção de esculturas e modelagens feitas por homens e mulheres que, sem jamais terem freqüentado escolas de arte, criam obras de reconhecido valor estético e artísticos. Seus autores são gente do povo, o que, em geral, quer dizer pessoas com poucos recursos econômicos, que vivem no interior do país ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem “arte” significa, antes de mais nada, trabalho."

No estado do Tocantins uma arte popular que vem sendo difundida e comercializada tanto no Brasil como no mundo é o trabalho manual com o capim dourado. Segundo as informações da ADETUR (s/d, p. 13) “o município de Mateiros é referência na produção do artesanato do capim dourado, cujo núcleo está localizado na comunidade Mumbuca, composta por descendentes quilombolas”.

 

 

1.1 Problematização: a entrevista.

 

 

A partir dos mitos e das curiosidades ao qual envolve o surgimento da facção do artesanato popular no povoado em estudo, surgiu o interesse dos pesquisadores em saber como se estabeleceu todo o processo de confecção dos artefatos artísticos com o capim dourado.

Diante das inúmeras dúvidas sobre a arte dourada do Tocantins, e no intuito de conhecer um pouco mais sobre esse artesanato, emergiram alguns questionamentos que delinearam a pesquisa de campo, por meio de uma entrevista, realizada no dia vinte e um de novembro de 2009, no vilarejo de Mumbuca.

Os cinco participantes entrevistados, todos do sexo masculino, foram: Adelsino, casado, 05 filhos; Aldesinei Pereira Gomes, 22 anos, casado, 01 filho; Edvan, 29 anos, solteiro, nenhum filho; Manoel, 23 anos, solteiro, nenhum filho; Ronaldo Matos da Silva, 32 anos, casado, 03 filhos;

Para melhor entendimento e organização metodológica, a equipe de pesquisa reuniu as respostas dos entrevistados em um único espaço, que estão transcritas logo na sequência:

 

1.      O capim dourado ajudou a família?

 

Conforme os artesãos, o artesanato com o capim dourado não somente ajudou a família, mas ainda continua ajudando. Dos cinco homens entrevistados, três afirmaram que o trabalho artesanal com o capim é a única fonte de extração de renda, sendo que um deles disse não existir outra atividade produtiva para fins de obtenção de capital. Segundo um dos entrevistados, devido à falta de equipamentos, a produção agrícola é realizada somente para a subsistência, fato que os faz depender diretamente dos rendimentos provindo da suas produções artesanais com o capim dourado. Dois dos entrevistados disseram ainda que o dinheiro adquirido do artesanato ajuda adquirir alimentação, eletrodomésticos, materiais escolares e roupas.

 

2.      Você ajuda a fazer artesanato do capim dourado? (  ) Não. Por que?

 

Somente um dos homens entrevistados, afirmou não trabalhar na facção do artesanato, conforme suas palavras: “a fabricação das peças artesanais é um trabalho somente para mulheres, que são mais pacientes”, por esse motivo ele prefere não ajudar na produção direta dos objetos de arte, apenas auxilia na colheita do capim. Já os outros quatros homens, além de ajudar na colheita da matéria-prima, afirmaram que fabricam também os artesanatos.

 

3.      Qual a sua opinião sobre a seguinte frase: “Capim dourado, sabendo usar nunca vai faltar”?

 

 As respostas dadas para essa questão foram unânimes, todas elas estavam relacionadas à sustentabilidade do uso do capim dourado. Os homens entrevistados disseram que se deve ter uma preocupação, principalmente, durante o processo de colheita do capim, uma vez que o mesmo nasce na superficialidade da terra, correndo-se o risco de arrancá-lo por completo, impedindo, assim, o seu renascimento. Portanto, segundo os coletores do capim, é preciso haver um manejo adequado para a colheita: espalhar – plantar – as sementes no local nativo do capim; colher e depois queimar o capim sempre respeitando a época certa para tais procedimentos. Conforme o relato de dois homens entrevistados, esses cuidados são necessários para que o capim não venha a ser destruído por completo. 

 

4.      Fale o que você sabe sobre sua comunidade?

 

Seguida de um breve silêncio e com expressão de dúvidas, cada um dos entrevistados deram respostas diferentes. Devido a esse fator, os membros da pesquisa optaram por transcrever, na íntegra, os proferimentos de cada entrevistado: 1º - “a comunidade é antiga, existe uma geração a 400 atrás”; 2º - “a comunidade é importante. Desde o ano de 2000, o capim é a renda da família e serve para comprar os bens e os alimentos”; 3º - “a comunidade é um lugar tranquilo de se viver, não tem violência”; 4º - “nossa comunidade é muito boa. Aqui produzimos artesanato, plantamos arroz, milho, feijão, mandioca, e alguns criam gados”; 5º - “a bisavó foi uma das primeiras a descobrir a arte com o capim dourado”.

 

5.      Cite o que você gostaria que tivesse aqui na sua comunidade?

 

Quatro dos entrevistados disseram que as maiores necessidades da comunidade são: os banheiros, uma unidade de saúde pública e água tratada. Além dessas, outros entrevistados apontaram como sugestões de melhorias para a sua comunidade a construção de uma praça, a reforma de casas e a instalação de mais um telefone público.

6.      Você considera o trabalho com o capim dourado uma arte? Por que?

 

Todos os entrevistados consideram o trabalho com o capim dourado uma arte. Quatro homens afirmaram que é uma arte devido ao fato de a matéria-prima é uma doação da natureza e, ainda, que pode passar por uma transformação realizada pelas mãos das pessoas pertencentes àquela comunidade. Outro homem considera ser uma arte porque as peças são produto de uma tradição, cujos modelos das peças advêm dos seus antepassados, repassados de um pro outro de geração em geração.

7.      De onde vem sua inspiração para a criação das peças de capim dourado?

 

Em meio à dificuldade de entendimento desse questionamento, os homens disseram que algumas peças artesanais são criadas pela mente, outras baseadas nos modelos trazidos por um professor de São Paulo. Os entrevistados afirmam que, antes da arte ser difundida, a criação dos artefatos surgia mediante alguma necessidade do grupo, ou seja, para fins utilitaristas. Assim, eram confeccionados chapéus, baús, bolsas, entre outros, para o uso, no dia-a-dia, pelos próprios membros da comunidade. 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

Conforme Renoux (1991), etimologicamente, a arte deriva do termo em latim Ars, que designa técnica ou habilidade, advinda de alguma atividade humana. De qualquer maneira, o conceito de arte é amplo e quem irá defini-lo, precisamente, é a época e a cultura. De acordo com os cinco homens entrevistados, o conceito de arte está relacionado ao uso dos elementos provindos da própria região e, para eles, representam uma dádiva da natureza ao qual pode ser transformada pelo trabalho das mãos do homem. Portanto, verifica-se que a noção empírica de arte, na visão dos artesãos do capim dourado, possui uma dimensão de significado que se aproxima de uma das conceituações epistemológica da arte, tendo em vista a sua amplitude.

Após a realização deste trabalho de campo, observou-se que a arte trabalhada com o capim dourado não se aproxima dos movimentos vanguardistas, os quais são marcados pelo rompimento com a arte clássica ou acadêmica, que requer um trabalho dedicado, minucioso e com o uso de técnicas variadas, segundo Nascimento (2009).  Ao contrário, é uma arte valorizada pelo próprio povo que a produz, fato que revela uma característica vinculada à definição de arte popular. Assim, a prioridade para os artesãos da comunidade Mumbuca é a valorização da sua produção artística para fins de utilização, bem como para a obtenção de lucros que proporcionem a renda e a melhoria da qualidade de vida das suas famílias.

 Constatou-se, a partir dos relatos dos artesãos, que a produção dos seus artesanatos sofreu uma influência artística vinda dos artistas plásticos de São Paulo-SP, que forneceram novos modelos para a facção das peças. Dessa forma, a impressão transmitida nas falas e no comportamento dos moradores de Mumbuca é que as suas artes estão perdendo o valor de autenticidade.

Os pesquisadores consideraram que tal influência colabora na inovação do artesanato produzido, e, consequentemente, atrai a atenção dos consumidores, aumentando as vendas dos artigos. Mas, em contrapartida, acarreta na desvalorização cultural, bem como na perda da identidade do povo mumbuquense - fator já constatado no questionamento “o que você sabe sobre a sua comunidade?”, cujas respostas dos cinco homens entrevistados foram evasivas e acompanhadas de dúvidas.

Vale ressaltar que as considerações tecidas neste trabalho são resultado de uma pesquisa de campo de curtíssimo prazo e, por esse motivo, não são, precisamente, as definições delineadoras do perfil dos artesãos e do artesanato popular da comunidade pesquisada. Nesse sentido, ainda há muito que se estudar. Para revelar os aspectos determinantes da arte do capim dourado, é preciso empenhar-se em uma investigação engajada e, somente depois, legitimar os dados e traçar as nuance do artesanato desenvolvido no vilarejo de Mumbuca.

Algumas limitações foram verificadas no decorrer deste estudo, entre elas cita-se: a dificuldade de expressão oral dos artesãos; o curto espaço de tempo para se aplicar o questionário, além do horário impróprio para tal, visto que era o momento no qual as pessoas preparavam o almoço e, por isso, os entrevistados tinham de responder tudo às pressas, quase que recusando o atendimento dos investigadores; e, por último, a falta de preparo da equipe diante do objeto pesquisa: em que a forma de abordagem durante a entrevista, indiretamente, acabaram induzindo certas respostas, influenciando na alteração dos resultados da investigação.

    

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

ADETUR, Governo do Tocantins. Regiões Turísticas – Tocantins-Brasil: regiões encantos do Jalapão e Serras Gerais. Governo do Tocantins, s/d.

 

MASCELANI, Ângela. Arte Popular Brasileira. Disponível no sitio: https://www.popular.art.br/htdocs/defTexto.asc?artigo=286, acessado dia 28.11.2009 às 21h34min.

 

NASCIMENTO, Noel. A Arte Vanguardista. Disponível no sítio: https://www.astrovates.com.br/tese/aartevan.htm, acessado dia 28.11.2009, às 21h49min.

 

REINAUX, Marcilio. Introdução ao estudo da história da arte. Recife: UFPE, 1991.

 



[1] Bacharel em Ciências Econômicas –Universidade do Tocantins - UNITINS (2003), especialista lato sensu em Docência do Ensino Superior – Instituto de Pós-Graduação Albert Einstein – IPAE, licenciado em Letras Português – Universidade Luterana do Brasil – ULBRA (2009), acadêmico do curso de Letras Inglês – Universidade Federal do Tocantins (2010).